Um ministro da defesa

Nesta semana que passou e no meio do carrossel mediático à volta da questão Egípcia fiquei fascinado com um dos convidados da SIC para comentar o acontecimento.

Fascinado pela sua visão única da história recente e muito descansado por saber que tivemos o nosso ministério da Defesa entregue a tão insigne académico.

Foi ele, Nuno Severiano Teixeira.

No meio de uma dissertação cheia de lugares comuns e generalidades acerca da situação, digna de um mero leitor de sites na Internet, fiquei a saber que "Mubarak era considerado um herói nacional pela sua vitória na guerra de 1971 e pela conquista do Sinai" (palavras de Severiano Teixeira).

Quando ele disse aquilo comecei a ficar um bocado inquieto porque uma das minhas áreas de interesse é precisamente o conflito Israelo-Árabe e eu não me lembro de nenhuma guerra em 1971. Muito menos de nenhuma vitória do Egipto.

Na verdade o que se passou por essa altura foi a guerra do Yom Kippur. E tem este nome porque a ofensiva inicial dos exércitos Sírio e  Egípcio foi feita num dos dias mais sagrados do judaísmo - o Yom Kippur.

Mas isso foi em 1973. E não resultou numa enorme vitória dos países árabes.

Um pouco de história para o sr. ex-ministro ficar a par...

A ofensiva inicial em duas frentes colocou Israel numa situação desesperada. A ofensiva nos Golan a Norte e no Sinai a sul fez com que, além do desnorte inicial, Israel tivesse de lutar em duas frentes com tropas escassas.


O Egipto atacou atravessando o Suez e abrindo brechas nas arribas de terra usando jactos de água para abrir caminho aos tanques.
Durante a 1ª semana a força árabe sob o comando da Síria e Egipto ganharam terreno de forma considerável.

Mas na segunda semana tudo mudou.
Foram chamados os reservistas que foram para o campo de batalha com qualquer transporte que conseguiram encontrar. Autocarros, carros particulares ou qualquer outra forma de transporte serviram para esses reservistas chegarem à frente de batalha.
A força aérea Israelita usando os seus F4 e Mirage abateu 277 aviões inimigos negando às força árabes o suporte aéreo que tanto precisavam. As forças aéreas árabes ficaram incapacitadas. As baterias de misseis Sírios foram destruídas pela força aérea Israelita que as atacou voando sobre território Jordano e atacando o flanco Sul desprotegido.
Há pilotos Israelitas com números de vitórias em combate muito pouco típicas do combate aéreo moderno.

Uma ofensiva nos Golan e no Sinai dizimou quantidades enormes de tanques inimigos.
A ofensiva a norte parou a escassos kilómetros de Damasco. A uma distância em que a capital da Síria podia ser bombardeada por artilharia.
Forças Jordana entraram em território Sírio para ajudar na defesa da capital e foram dizimadas.

Estas batalhas permitiram a captura de quantidades massivas de material intacto.A sul uma batalha que envolveu 2000 tanques (a maior batalha de blindados depois de Kursk (2º Guerra Mundial) deixou destruídos 264 tanques egípcios contra apenas 10 israelitas
No Sul a captura de T54, T55, T62 e PT76 de fabrico russo engrossou as fileiras de Israel. A norte T55, T62 e Centurions jordanos iguais aos que já dispunha Israel.

Os T54 e T55 foram reconvertidos e colocados ao serviço com os nomes de Tiran 4 e Tiran 5. A sua arma foi mudada mas permaneceram essencialmente o mesmo tanque.
Alguns foram reconvertidos para transporte de tropas e ficaram conhecidos como Achzarit.

Sabendo tudo isto fiquei surpreendido com o elevado conhecimento de um ex Ministro da Defesa (se ele tivesse sido ministro das finanças não me surpreendia já que temos uma história extensa de ministros da finanças que nada sabem sobre o assunto) que se enganou na data do conflito e se enganou em relação a quem o ganhou.

Na verdade, Israel atravessou o Suez abrindo uma brecha por entre dois exércitos egípcios forçando o Egipto a assinar o cessar fogo a 110 Km quilómetros do Cairo.

O Sinai ficou na mão dos Israelitas até aos anos 80 e foi devolvido após a assinatura do tratado de paz com Saddat (que acabou por resultar na morte deste por ser considerado por certas facções egípcias como um traidor)


Como se pode ver, após a guerra do Yom Kippur uma parte do território Egípcio a Oeste do Suez foi ocupado por Israel. A norte uma parte do território Sírio a Leste dos Golan ficou também sob controlo Israelita.

Após a derrota, o Egipto "vendeu" internamente a ideia de que a campanha tinha sido uma estrondosa vitória. E de facto foi enquanto os Israelitas não se reagruparam e fizeram a contra ofensiva. Parte desta manobra de propaganda interna foi a criação de heróis. Mubarak foi um deles. Pelo seu fantástico papel na acção da Força Aérea (que acabou dizimada). Foi promovido a Marechal em 1974.

E chega de história.

Ora bem... O ex ministro da defesa não só demonstra uma séria ignorância na matéria como nem sequer tem o cuidado de não a mostrar na televisão. Nem sequer se prepara para a ocasião.

Aparece por ali debitando vulgaridades e incorrecções para um público que pensa ser ainda mais ignorante do que ele. Isto é um pouco o sinal da qualidade de quem tem governado este país. Uns académicos convencidos que não precisam de saber mais nada e com a plena convicção de que sabem tudo o que há para saber.
Tenho imensa pena que Nuno Rogeiro não estivesse também nesse programa, mas estou seguro que nessa eventualidade Severiano Teixeira não diria o que disse com aquela superioridade intelectual que caracteriza os ineptos.

A interpretação dos factos é frequentemente distorcida pelos intervenientes num conflito, mas a história regista estes eventos. Num mundo em que o acesso à informação é incrivelmente fácil, percebemos até que ponto somos governados por gente sem conhecimento, sem estatura e sobretudo sem vergonha.
Posso aceitar que alguém que não se debruce sobre o tema não tenha certeza de datas.
Já não acho tão normal que não saiba quem venceu um conflito.

Seria completamente estranho ouvir alguém dizer que quem ganhou a 2ª Guerra mundial foi o Japão e a Alemanha.
Mas aparentemente temos académicos que não sabem o mais básico acerca daquilo que leccionam.
Sabem quais são as áreas de especialidade deste homem?

Principais Áreas de Investigação:
- História Contemporânea
- Integração Europeia
- Política Externa
- Defesa e Segurança Internacional

Não acreditam? Vejam vocês mesmos aqui.

Não há dúvida que sobre história contemporânea estamos conversados. Será que ele lecciona alguma coisa sobre engate de estrangeiras? É que o homem parece leccionar no Curso de Relações Internacionais.

Deve passar férias no Algarve...

Este artigo foi-me enviado por um leitor deste blog (António J. Freire) a quem agradeço desde já.
O facto de o limite de caracteres por comentário não o ter dissuadido merece um agradecimento suplementar.  

Isto faz-nos pensar como é que estas pessoas recolheram tão notáveis curricula. É espantoso que sendo as áreas de investigação a História Contemporânea e a Defesa e Segurança Internacional não saiba na ponta da língua tudo o que seja detalhe sobre os conflitos recentes. Seria no mínimo a sua obrigação.
Meter uma asneirada destas significa que o seu conhecimento sobre os conflitos em causa é verdadeiramente sumário e isso é preocupante. Não é o que se espera dum ex-ministro da Defesa.
Ainda por cima dar voz aquela que foi a versão egípcia para consumo interno, diz bem da qualidade da investigação que deve realizar nestas áreas...