País à rasca

Ponto prévio
Antes de me começarem a acusar de fazer parte daqueles que estão no payroll do poder ou de querer limitar o acesso dos jovens ao mercado de trabalho (como se eu pudesse) devo dizer desde já que não é esse o caso.
Devo dizer também que me repugna seriamente a forma como este país se transformou numa enorme rede de tráfico de influências e fortunas fáceis à custa do dinheiro de todos. Sempre detestei, desde que comecei a trabalhar, toda e qualquer forma de nepotismo e de destruição do mérito em prol do "amiguismo".

Como já tinha escrito há uns tempos atrás sou um "Facebooker" básico. Uso-o muito poucas vezes e sempre, quase sempre, ao fim se alguns minutos farto-me do que vejo.

Por isso não tive a curiosidade de ver a página da Geração à rasca.

Alguém me disse para ir ver. Que valia a pena ler os 30 pontos do manifesto da geração com as mais altas qualificações do país. E fui ver.

Depois de ler os 30 pontos do "manifesto"... apetece-me chorar.
Eu que pensei ir passear o meus "ossos" de cota com a juventude, percebi que se esta é a geração com maiores qualificações de sempre, então estamos ... fo......

Os 30 pontos vão do óbvio ao ridículo. São o tipo de coisas contra as quais todos nós estamos, sobretudo os que trabalhamos 5,5 meses por ano para dar dinheiro ao estado.
Mas tal como temos tendência para generalizar numa conversa casual, estes foram ao limite. E estou particularmente à vontade porque muito antes de os Deolinda pensarem num hino da juventude, tal como Abrunhosa o fez antes deles, escrevi sobre o desnorte e o imobilismo que caracteriza a nossa classe politica. E fi-lo sem saber quem lia isto. Fi-lo porque achava que mesmo que houvesse só uma pessoa a ler já tinha valido a pena.

O texto que li nessa página do Facebook não é digno de um aluno de secundário quanto mais de alguém com uma licenciatura que está "pronto" para entrar no mercado de trabalho. É duma pobreza intelectual e de ideias total. É duma demagogia barata gritante. Que longe estamos do idealismo dos 60-70.

Demissão da classe política? E depois pomos esta geração "preparadíssima" a governar o país? Ou pomos quem eles acharem bem?
Esta ideia de que eles são uns virtuosos e todos os outros uns bandidos é como se de repente eles não fossem também parte do problema . Dizia George Carlin que a política é uma máquina em que entra lixo e sai lixo (Garbage In, Garbage out). Quem entra na política somos nós. Muitos são os piores de nós. Aqueles em que nós votamos ou em quem deixamos que os outros votassem porque nos estávamos a ca... para essas coisas.

Por os bancos a pagar impostos? Então e os cidadãos que podem fugir aos impostos e que o fazem despudoradamente acedendo depois a ajudas do próprio Estado porque apresentam rendimentos anormalmente baixos?
Não vejo qualquer alusão ao confisco dos resultados do trabalho dos cidadãos, da prepotência da administração fiscal ou do avanço da mentalidade de Big Brother do nosso Estado.

Como é que uma geração que desde que tem direito a voto, se rala mais com um fim de semana de praia do que em ir votar?
Que olha para essa obrigação (e conquista dos pais) como uma coisa que só os afecta quando o "bolso" começa a gritar?


E o que é mais curioso é que existe um sentimento naquele manifesto de que os que se estão a apropriar do dinheiro dos cidadãos estão de facto a apropriar-se do dinheiro DELES, duma geração que por falta de emprego, a única coisa que deve ter pago de impostos foi o IVA.

Fiquei estarrecido com o egoísmo que se retira daquele manifesto.
Não há nada de altruísta, de idealista do ponto de vista social ou político.
A ideia subjacente é : quero o MEU dinheiro.

O meu? Então e o meu? Sim o meu? Que ao longo duma carreira contributiva de mais de 20 anos foi desbaratado e que não vai sequer chegar para pagar os meus 10-15 anos de reforma porque esta geração não está para me pagar as "mordomias"?
É que a bem dizer sou EU e os outros da minha idade que estamos a pagar as mordomias dos políticos pós 25 de Abril. Não são os vintes e os trintas e poucos.
E ainda estamos a pagar as mordomias desta "geração" que apesar de ter produzido excelentes cabeças e excelentes seres humanos também produziu muito básico e muito inútil. E que conversa é esta dos direitos adquiridos quando acham que têm o DIREITO adquirido de ter um emprego condizente com a sua condição de doutoures?

É isto que uma geração com o "mais alto grau de preparação de sempre" tem para dizer acerca do estado em que o país chegou?
A geração que não queria votar, ou que votava em quimeras irrealizáveis, a geração que acha que um telemóvel é um acessório de moda e justifica que se gastem 500 euros, que gosta de curtir a noite e divertir-se, que mesmo que possa ter filhos não quer ter esse encargo porque precisa de gozar a vida?
A geração que começou a chamar cotas aos pais quando eles tinham 35 anos e que teve todas as vontades satisfeitas por pais trabalhadores e que foi para um curso numa privada com as propinas pagas pelos cotas porque não teve notas para ir para outra?

É esta a geração com o mais elevado grau de preparação de sempre?

Não. Não é esta. Ou pelo menos não é este grupo populista que cria uma aberração destas no Facebook.

TEM de haver parte desta geração que tem algum altruísmo, algum ponto no seu manifesto que expresse a sua solidariedade para com os outros que nem sequer podem almejar a um curso superior na pública ou na privada.
TEM de haver uma parte desta geração que se preocupe com outras coisas que não seja um motorista de um alto dirigente do estado ou os parques de estacionamento pagos a empresas concessionadas.
TEM de haver uma parte desta geração que tenha pelo menos meio cérebro e consiga escrever um manifesto decente.
Recuso-me a aceitar que este manifesto demagógico, superficial e completamente egoísta seja a bandeira de uma geração preparada para ter os destinos do país nas suas mãos.

Tudo o que apontam não é mais do que TODOS dizem. São verdades insofismáveis e óbvias.
A moralização do estado, o colocar do Estado ao serviço dos cidadãos.

Mas o populismo bacoco, a atirar para os chavões do BE (como o ponto 30 que diz que os bancos devem pagar impostos!!!) são a prova mais acabada de que estes "jovens" não fazem ideia de como as coisas são complexas na vida real. De como os encargos que recaem sobre quem trabalha os tem sustentado e lhes tem permitido ter aquilo que a geração dos pais não teve. Uma educação superior.

TEM de haver alguém desta geração que diga que se deve apoiar as pessoas com maiores necessidades, que a função dos impostos é a de providenciar uma vida digna aos que menos podem.

Não há nada disso nos 30 pontos. O manifesto patético podia reduzir-se a um

Acabar com o desbarato de recursos dos cidadãos em benefício de muito poucos.

e podia ter ainda mais um ponto (mas isto sou eu a sonhar)

Lutamos por uma sociedade justa, solidária, honesta e  em que todos cumpram as suas obrigações com a mais elevada ética, honra e espírito de serviço.

Bastava isto. E eu e muitos outros estaríamos na rua com eles. Assim nunca estarei.

Este grupo não é a geração à rasca. É um grupo de individualistas que diz: EU estou à rasca e EU quero trocar de lugar com alguém que NÃO esteja.

Um jovem licenciado à rasca é alguém que fez um curso de direito ou de engenharia ou de medicina com 17 e não arranja emprego. E que tem as portas todas fechadas após anos de esforço para chegar onde queria.

Não metam no mesmo saco alguém que entrou para um curso com média de 10, que andou 4 ou 5 anos a "curtir" e que saiu com uma média de 10 ou 11. Ou, que mesmo que tenha saído com uma nota excelente numa licenciatura para a qual há 100 empregos no país e depois desata a gritar:
Eu sou dos mais qualificados que este país tem e quero aquilo a que tenho DIREITO!!!!

O que é que estava eu a pensar quando achei normal que uma geração de abstencionistas convictos acordasse com uma música dos Deolinda?
Só o facto de "acordar" num concerto após 10-12 anos de desgoverno desbragado já diz bem do nível de atenção que estes jovens tiveram para a realidade que os rodeia.

A vida não se faz só de direitos. Faz-se de direitos e deveres. E muitos desta geração que agora berra só se vê com direitos. Acha que não tem o dever de contribuir para o bem estar dos outros , acha que não tem o dever de votar, de ser competente no seu trabalho, de criar algo que significativo, de ser solidário, não acha sequer que tem o dever ou a educação de cumprimentar os vizinhos do prédio onde os pais (e eles) vivem.

Tem DIREITO, não ao que os pais tiveram, mas sim aquilo que os que chegaram mais alto na nossa sociedade têm, e JÁ!!
Direito aquilo que os que trabalharam toda uma vida com ou sem curso superior conseguiram.
Não há distinções. Quem vive bem é corrupto e muitos dos que vivem mal é porque o merecem. Eles, coitados, são os únicos injustiçados no meio disto tudo. Qualificados e sem mácula.
Vivem num mundo a preto e branco com a ideia peregrina de que só eles vêem aquilo que todos os "estúpidos" antes deles não conseguiram ver.


Retiro de tudo isto aqueles que apesar de todas as dificuldades acabaram por aceitar trabalhos indignos da sua qualificação, que formaram família num país que a penaliza, que foram para o estrangeiro para poder chegar onde sonharam, e que apesar de tão maltratados como muitos outros, tiveram a força para perceber que as coisas não caem do céu depois de se ter um diploma na mão.