A (i)moralidade do sistema fiscal

A cada dia que passa aprece mais uma noticia sobre uma qualquer medida ou intenção de taxar mais quem mais pode.

Foi o aumento de impostos sobre as grandes fortunas e é hoje a proposta de taxar adicionalmente as empresas em sede de IRC acima dum certo limiar de lucros anuais.

Sou forçado a concordar que o esforço que a classe média faz do ponto de vista fiscal é bem maior que aqueles que têm grandes fortunas.
E é assim por várias razões razões.

Quem tem grandes fortunas usa expedientes legais para declarar valores totalmente incompatíveis com o tipo de vida que leva, tais como usufruir do património das suas empresas fazendo despesas que são despesas da "empresa" (com o consequente retorno de IVA etc etc), retirando dinheiro para paraísos fiscais isentando-se da taxa liberatória nos juros ou mais valias etc etc.
Em suma, quem tem uma grande fortuna pode muito bem passar por ser um remediado neste país.
Se colocarem mais 2 pontos percentuais de IRS a alguém com rendimentos acima de 500.000 Euros, muito facilmente passarão a declarar 400.000. Basta para isso que uma série de despesas passem a ser declaradas como despesas de uma qualquer das suas sociedades.

Um verdadeiro rico nem precisa de se ralar em retirar o dinheiro do país. Basta um retoque contabilístico e passa num instante a ser "pobre".

Uma forma de evitar isto seria a de perceber exactamente que tipo de despesas apresentam as empresas. Se os accionistas não sabem da missa a metade (ou não querem saber) e sustentam gestores que além dos salários principescos ainda se dão ao luxo de por todos os seus gastos nas contas das empresas, pelo menos o fisco deveria olhar para isso. Não é normal aparecerem despesas de renovações numa casa particular, ou colégios de crianças, ou férias de luxo sempre da mesma pessoa ou grupos de pessoas.
Só nisto, neste artificio imoral (ainda que não ilegal) o Estado fica a ver passar milhões de IRS a passar ao lado. Quem vai pagar esse dinheiro é aquele que trabalha, que vê tudo declarado e não tem por onde fugir. Enfrenta-se com escalões de IRS perfeitamente cleptómanos para compensar muitos que têm o poder de declarar quase nada.

Temos depois os profissionais liberais. Existe todo um grupo que declara rendimentos muito baixos. Falsamente baixos.
Recorreram á criação de empresas para poder aproveitar as vantagens fiscais que isso traz. Tudo o que têm é da empresa. Tudo é descontável nos resultados permitindo-lhes assim baixar consideravelmente o valor de IRC da empresa pago no fim do ano.
Hoje existe um plafonamento para isto, mas só com o retorno de IVA a coisa compensa largamente.
Nenhum trabalhador por conta de outrem recebe o IVA de volta e ele é hoje quase 1/4 do valor do que compramos.

Com estas propostas, que vão desde a taxação dos ricos até à reposição do imposto sucessório proposto por cavaco Silva de tudo vem a terreiro.

Mas nada acerca do essencial. E o essencial é que durante 20 anos se criou um sistema que permite aos que têm mais recursos escapar-se à carga fiscal que recai sobre os que vivem do seu trabalho por conta de outros. A lei deixa-os fazer isso e obviamente eles fazem-no.

A questão do imposto de sucessões pareceu-me especialmente aberrante. E é mais uma forma de causar fortes danos em quem já mais pagou neste país.
Senão veja-se este exemplo.
Um português médio compra uma casa. Vive mês a mês e vai pagando a casinha durante 30-40 anos. Quando conseguir pagá-la será velho (65-75 anos). Muito provavelmente é o único património que vai deixar a um filho.
Património esse que envelheceu, que pagou IMI durante 40 anos e que valerá pouquíssimo se for vendido ao fim de todo esse tempo.
Os herdeiros só vão herdar um T2 ou um T3 com um valor mínimo. Provavelmente num prédio já algo envelhecido e degradado.
E o Estado vira-se para esses herdeiros que vivem eles também no mês a mês e diz que vão ter de pagar 15 ou 20% (ou mais) de imposto ao Estado por esse património. A questão é que mesmo que queiram vender esse património para pagar o imposto, vão vendê-lo a quem?

Algo que foi onerado com taxas e impostos durante dezenas de anos vai ainda gerar mais um imposto completamente imoral para ao Estado que apenas diz que quer uma fatia da herança.
"Já carreguei o teu pai e a tua mãe com impostos durante toda a vida e agora ainda quero mais uma fatiazinha daquilo que eles te deixaram. E tu levas o que sobrar..."
 Se houve uma coisa que foi uma medida de decência do Governo de Durão Barroso, esta foi uma delas. Cavaco acharia bem ressuscitá-la. Talvez porque assim em vez de pagar pelo património que tem hoje, prefira deixar para os filhos esse pagamento quando ele morrer.

Se é fácil de taxar o património que se tem á altura da morte, então é porque é fácil saber qual ele é em vida. Se assim é o argumento de que é difícil esvai-se.
Pelo menos o património imobiliário é canja de verificar. Mas pergunto eu... esse património não é já taxado em IMI em função do seu valor patrimonial? Se isso é verdade uma casa com um valor de 1 milhão paga mais que uma de 200.000. Então aparentemente esse património já paga.
De que património estão a falar? Valores mobiliários? Que eu saiba ninguém pode mexer em acções sem a intervenção de um banco. Ora se o banco já retém na fonte a taxa sobre os juros, não poderia fazê-lo sobre as transações de valores mobiliários? Claro que sim, claro que o pode fazer.

Aí entra depois o argumento de que isso iria afastar os investidores. Quem? A Sonae? Para sair do país vendem as suas lojas a quem? Podem pura a simplesmente ir-se embora e deitar fora activos só porque vão pagar 2% mais sobre os resultados?

Eu compreendo que esse tipo de medidas seja desagradável e ninguém gosta de pagar mais do que já paga. Mas no caso das empresas verdadeiramente lucrativas e das grandes fortunas poderiam muito bem por esse imposto temporário e avaliar seriamente os resultados dessas medidas. Se se verificasse um forte impacto na actividade económica então poderiam repensar a situação.
Mas sem tentar, estar a especular que vai acontecer isto ou aquilo vale tanto como a palavra de Sócrates, ou seja, nada.