A verdade vem sempre ao de cima

Não é por acaso que existe uma enorme desconfiança para com a classe política.
A cada dia que passa confirmam-se os piores receios acerca da forma como este país tem sido gerido desde há mais de 30 anos.

Acabada a mão de ferro e a forma rigorosa e quase obsessiva usada pelo "Estado Novo" para manter o controlo das coisas, entrou-se num período de pseudo gestão.

Periodicamente injecções de dinheiro foram servindo para ocultar aquilo que estava estruturalmente débil. Ao mesmo tempo o mau aproveitamento desses dinheiros permitiu a muitos criar fortunas enormes e rápidas.
A nossa arreigada atitude de dependência de um poder superior, inculcada por Salazar e pelo regime foi substituída pela dependência de um Estado mãos rotas que usou o que não tinha para angariar simpatia e votos.

Todos nós já ouvimos os portugueses dizer que o estado tem de fazer isto ou tem de fazer aquilo. De cada vez que há um problema lá está sempre uma carpideira a dizer que "eles" deviam fazer as coisas de uma forma ou de outra. Seja a família que acha que o "eles" lhe deviam dar uma casa, seja a senhora zangada que acha que "eles" deviam "forçar" um médico a viver num qualquer lugarejo porque há gente que precisa dum médico.

Passámos dum regime totalitário a um regime democrático com uma população com tiques totalitários. O crime que eles não gostam devia ser sempre punido com pena de morte ou prisão perpétua, as pessoas do partido em que não votam são sempre uns "gatunos" e o Estado tem a obrigação de lhes dar aquilo que eles querem, porque eles adquiriram esse DIREITO.

Num caldo de cultura destes não admira que Alberto João, ou outros como ele tenham conseguido chegar ao poder e manter-se por lá.
Os caciques cedo perceberam como podem perpetuar-se no poder usando os recursos de todos para o fazer.
E criaram dívidas enormes a fazer este tipo de coisas. Divida que o estado assumiu porque sabe que basta "sacar" mais umas massas à população para a pagar.
Na verdade os políticos dão-nos coisas que não queremos ou não pedimos para ficarem bem vistos e depois forçam-nos a pagar a conta.

É como ser convidado para um jantar de lagosta que não podemos pagar, para que no fim quem nos convida nos diga para pagar a conta. Ele fica com o "mérito" de nos "oferecer" o jantar e no fim nós pagamos o nosso e o dele. E também o dos amigos, claro...

O que é triste é que durante anos o poder central não se preocupou minimamente em acabar com estes abusos a nível local ou regional. Comprometidos por fazer exactamente o mesmo a um nível ainda mais escandaloso, ficaram calados e quietos pensando como um qualquer idiota que tudo ia acabar em bem.

A tarefa de Passos Coelho é especialmente ingrata. Ele terá de ser verdadeiramente impopular junto da população e destes caciques locais que tudo fizeram para manter os seus "pequenos poderes". Sentiam-se uns pequenos monarcas, distribuindo benesses de forma majestática aos seus amigos e ao "povo".

Não era de todo possível que se cruzasse uma ilha como a Madeira com tunéis e auto estradas dignas de um país do 1º mundo sem que tudo isto tivesse algo de muito estranho por trás.
Diz AJJ que pode explicar onde o dinheiro foi gasto. Calculo que sim. Mas a questão é se era mesmo necessário gastar todo esse dinheiro ou se era mais sensato ter ficado por soluções menos sumptuosas gastando muito menos.
É caso para perguntar se os empresários que fizeram essas obras não tiveram lucros à custa do Estado e se esses lucros não poderiam ter sido menores quer em percentagem quer em valor absoluto.
Se for lançada uma obra inútil alguém irá ganhar dinheiro a fazer algo desnecessário.

Esta tem sido a estratégia que permitiu que empresas de obras públicas vivam completamente dependentes do Estado a fazer coisas desnecessárias enriquecendo incrivelmente com esta estratégia.
Esta não era só a linha orientadora de Sócrates. É a linha orientadora de políticos pouco escrupulosos que têm a ambição de deixar o seu nome ligado a "grandes obras". É, resumindo, a forma de pensar de políticos desonestos e sem ética. Eles sabem que aquilo que estão a "fazer" não é mais que retirar o dinheiro público e "gerar" negócios para os amigos (e muitas vezes para si próprios) saindo no fim como heróis com obra feita para mostrar.

Este tipo de actuação por parte de titulares de cargos políticos é já punida por lei. Mas é preciso que alguém a aplique.
E apesar de os auditores do TC informarem abundantemente os responsáveis, parece que esta gente tem alguma dificuldade em ler os documentos produzidos pelo TC. Têm muitas páginas.
Assim todo este trabalho cai no esquecimento. Ou pior ainda, como vimos durante os governos de Sócrates, os governantes tinham um entendimento diferente do TC. Ah pois claro. Peritos como eram os ministros e secretários de Estado de Sócrates, tinham "opiniões" diferentes do TC. E permitiam-se dizer isto à frente das câmaras de TV quando estiveram em causa negócios ruinosos como o terminal de carga do Porto de Lisboa ou certas PPP's lançadas pelo Governo de Sócrates.

Para que precisamos dum Tribunal de Contas que valida a aplicação da lei e das regras orçamentais se depois temos um qualquer imbecil eleito a discordar e a desrespeitar pareceres que nem consegue perceber ou nem sequer leu?

A política em Portugal está completamente minada de gente limitada, ignorante, incompetente e desonesta. E essa gente fará tudo o que está ao seu alcance para evitar que gente com competência possa chegar a um lugar de poder.
A partir do momento em que PPC entrar por estes pequenos poderes a dentro, passará a ser o alvo dentro do partido e o alvo de todos os que estão instalados no poder.

Esperemos que ele tenha a força de carácter e a capacidade de levar as coisas avante. É mesmo preciso uma vassourada neste estado de coisas. É mesmo preciso mudar tudo de forma radical sob pena de estarmos exactamente na mesma situação dentro de 10 ou 15 anos.
Isto tem de acabar e tem de acabar já.