FUD (Fear, uncertainty and doubt)

Desde o dia em que António Borges falou que nada ficou igual.

Os defensores da TV pública têm-se desdobrado em argumentos, uns mais sensatos outros menos, em demonstrar a importância de o Estado ter um ou mais canais de televisão.

Ouvi ontem José Manuel Fernandes num comentário de uma lucidez notável desmontar algumas das ideias a que se tem dado eco em defesa da RTP pública.

Estou perfeitamente de acordo com ele a não ser num ou noutro detalhe.

Os mitos urbanos...

A RTP dá lucro
Este é talvez o argumento mais hilariante de todos.
A televisão estatal enterrou em 10 anos qualquer coisa parecida com 4 mil milhões de Euros dos contribuintes.
Desde as indemnizações compensatórias até às entradas de dinheiro para pagar a dívida, a RTP significou em 10 anos um buraco igual a dois anos de 13º e 14º mês da função pública.

Diz agora que tem um plano para ser auto suficiente. Um plano.
Cavalgando neste argumento do plano, a RTP passou magicamente de buraco negro dos dinheiros do contribuinte para uma estação lucrativa. Ainda não há resultados do plano, a maior parte das pessoas não sabe que o plano preconiza entre outras coisas acabar com a RTP Açores e Madeira, mas já falam em lucro.
Se não se pode chamar a isto má fé, pode pelo menos chamar-se precipitação. Creio bem que o plano da RTP só tem um destino - o falhanço. Como todos os outros antes disso e que levaram a transferências do Estado para pagar o falhanço dos outros planos. Esses planos chamam-se - gestão miserável.
Só para pagar com lucros o que estoirou teria de operar com lucros fantásticos durante ANOS. Não vai acontecer. NUNCA.

Como é que uma empresa a quem o Estado paga as famosas indemnizações compensatórias, a quem o Estado tira do cidadão 140 Milhões por ano e lhes dá a eles, ao que juntam ainda uns 50-60 milhões de publicidade pode dizer toda orgulhosa que fez um resultado positivo em 2010 e 2011 de uma dezena de milhões de Euros? Estão maluquinhos ou quê? Este resultado positivo é sem a taxa do audiovisual? Sem o dinheiro do Estado? Tendo que pagar os juros e amortização da dívida que contraíram?
Não é pois não? Então parem de falar de "lucro" da RTP porque ele simplesmente não existe.
Bastava a RTP ter de pagar a dívida que contraiu para ser imediatamente inviável.


A RTP presta um serviço público inestimável
Também este argumento é altamente debatível.
A RTP 1 tenta competir directamente com os canais privados com armas desiguais. Se falhar redondamente lá está o Estado para entrar com a massa. Se falhar em audiências (e falha) tem a almofadinha por baixo. Recebe do contribuinte, que nada tem a dizer na matéria, a taxa cobrada na conta da EDP e ainda as receitas de publicidade.
A sua má audiência é conseguida à custa de programas popularuchos, sem qualquer valor cultural ou educativo. Cai na vulgaridade mais básica e mesmo assim não consegue ganhar.
Bola e novelas. Nisto nada se distingue da SIC e TVI. Se se diz que a RTP presta serviço público então as outras também o devem estar a fazer. Sem receber um chavo do Estado por isso.

A RTP 2 é de elevado interesse cultural
Os que dizem isto não a devem ver com certeza. A RTP 2 tem 3% de share. Em cada 100 portugueses 3 vêm a 2. O que a coloca ao nível de uma televisão por cabo das más.
Os seus conteúdos são quase tudo menos educativos, formativos ou culturais.
Passam as mesma séries requentadas que se podem ver na AXN e FOX. Passam desenhos animados de manhã e de tarde. Passam uns documentários assim assim à noite.
Aposto que muitos dos defensores da RTP 2 não devem sequer saber do que estão a falar. Não devem fazer a mínima ideia da irrelevância cultural em que a 2 se tornou.
Não deve ter custos disparatados é certo, mas estou seguro que com muito menos custos se faria um canal equivalente.

A medida é inconstitucional
«Acho que era uma pouca vergonha. Mas, como agora foi considerado que esse modelo de concessão seria inconstitucional, vão ter de mudar de opinião», disse Mário Soares em declarações ao DN.

A medicação não lhe deve andar a fazer nada bem, nem a dosagem deve estar correcta.
Ainda nem sequer há lei que regule o processo e já é inconstitucional. Não me consta que "pareceres" de TV por parte de constitucionalistas sirvam para aferir isto. Tanto quanto sei é o Tribunal Constitucional que o faz e... ainda não o fez.
O que a constituição diz é que o Estado deve assegurar um serviço público de televisão. Não estou tão certo que o tenha de fazer através de uma empresa pública. É isso que acontece hoje. O serviço público é concessionado à RTP que por acaso é uma empresa pública.
A diferença é que se fosse uma empresa privada, o Estado não teria de sustentar todo o disparate de gestão que significa 400 milhões/ano de Euros aos contribuintes.
Seja como for a proposta saiu e não me parece que já esteja alguma coisa escrita em pedra.

Ontem também, na sua habitual sessão de vitríolo, Capucho dizia que estava a ver o que se passou.
"O governo tinha recuado" quando assistiu ao mal estar generalizado causado pela proposta.

Não sei em que mundo vive Capucho. Sei que detesta Passos e não perde uma oportunidade para segregar fel.
Nem o governo ainda falou nem o governo ainda recuou ou avançou ou o que quer que seja.
Quanto à indignação generalizada também tenho as minhas dúvidas. A indignação veio da RTP (claro) do PCP, BE e PS. E tudo o resto? Permanece em silêncio, mas acho eu que deve contar.
Ou as contas de Capucho cingem-se à sua pessoa, oposição e entidade "interessada"?

O problema destes "desistentes" da política é sempre o mesmo. Não desistem. Fazem apenas retiradas estratégicas até ao momento em que voltam. Capucho afasta-se do PSD. Mas não perde uma oportunidade de espetar a faquinha.
Tinha alguma consideração por ele até ao dia em que percebi que o problema dele é mais uma questão de poder pessoal do que uma questão de bem comum. Se não é parece.

Em suma, muita parra e pouca uva. Desde Louçã que afirma que o Governo vai dar a RTP até ilustres cabeças que já afirmam a inconstitucionalidade da medida já vimos de tudo numa semana.
Já vimos cisões entre a coligação, a RTP a dar lucro (futuro) a RTP2 a ser um canal importantíssimo.
A festa ainda não acabou e já gastaram os foguetes quase todos.
No fim vai acabar com um foguete chocho.