Bater no ceguinho promovido a desporto Nacional

Parece que todos os males que nos afectam desde há dezenas de anos têm só um culpado - a Justiça.

Já se tornou tão banal culpar a justiça que a maior parte das pessoas que o fazem nem sabem exactamente o que a justiça deve fazer.

Muitos acham que a justiça devia fazer praticamente tudo o que a nós não nos apetece fazer.

O MP não encontrou qualquer ilícito criminal na licenciatura de Miguel Relvas.
Mal esta notícia apareceu no Público começou imediatamente o chorrilho de comentários. E culpando quem? A justiça, claro.

A mim não me surpreende nada que não haja nenhum ilícito criminal. Senão vejamos:

A lei consagra a possibilidade de atribuir equivalências da forma que a Universidade atribuiu. Seja lá como for, e que ministério foi (Educação, Ensino Superior) foi dada a possibilidade a uma Universidade de olhar para o curriculo profissional de alguém e determinar que essa pessoa tem equivalência em 36 de 40 cadeiras que prefazem uma licenciatura.

No caso de Relvas isto pode ter sido feito porque ele era da mesma loja maçónica de alguém da Universidade, porque alguém da Universidade lhe queria pagar um favor, ou lhe queria fazer um favor para ele retribuir depois.
Dar a possibilidade a uma Universidade de atribuir créditos desta maneira será talvez o cerne do problema. Sem grandes critérios é natural que se use e se abuse deste tipo de prerrogativas legais para fazer este tipo de tropelias.

O curso de Relvas é um problema da esfera ética e legislativa que rege estas Universidades. Não é certamente um problema de ilícito criminal. A não ser que se estivesse a investigar um caso de corrupção na atribuição das equivalências. E não me parece que fosse esse o caso ou que a investigação estivesse a explorar essas vias.
O curso dele não vale o papel em que está escrito, mas o mesmo se pode dizer de milhares de licenciados por esse país fora que têm um curso dado em troca de propinas. O Ensino Superior Privado é um NEGÓCIO, salvo raras e honrosas excepções.

A justiça tem de aplicar a lei. E num caso destes a actuação da Universidade foi legal. Baseada numa lei de merda é verdade, mas legal.
O problema ético é bem outro e esse fica fora da esfera dos tribunais.

Mas a maior parte das pessoas que não distingue nada em termos jurídicos acha que devia haver um qualquer procurador que, para apaziguar a populaça, devia ir atrás de Relvas e da Universidade como um gato se atira a bofe.
O problema é que não pode. A actuação do MP tem de ser fundamentada na lei e é como eu dizia atrás - temos uma lei de merda que permite a uma Universidade dar cursos de brincadeirinha a políticos com influência.

O mesmo se pode dizer do curso de Sócrates. Certamente muitas das cadeiras "feitas" na Independente foram-no exactamente da mesma forma. Professor amigo e camarada de jornada, reitor amigo e camarada de partido etc etc.
Favores a pagar? Claro. Um dia eles lembrar-se-ão destes idiotas úteis para um qualquer cargo de nomeação governamental. Ou não...
Nenhum abrirá a boca para falar do caso se não for contemplado para um lugar. Afinal só se sujaria a ele próprio. E já há demasiada sujidade no mundo académico para que os seus actores atraiam para si um bocado mais de porcaria.

No momento que o país vive o povo só parece ficar apaziguado com uma execução pública por semana. Quando a justiça não fornece o cordeiro para o sacrifício, todos e cada um se levantam e pedem aquilo que acham que lhes é devido. Uma vítima para sacrificar.

O que está em causa em casos como o de Relvas e Sócrates não é a legalidade. É a moralidade e ética. As leis são feitas por homens, nem sempre honestos e nem sempre desinteressados na sua aplicação.

Legal e justo não são dois conceitos iguais. Pode haver leis injustas. Mas se forem aplicadas são-no de forma "legal". Quantos exemplos temos nós de leis profundamente injustas? Querem começar a pensar nelas? No extremo mais horrendo têm as leis de Nuremberga que definiam quem era Judeu e quem não era. Era uma lei justa? Sabendo nós o resultado da sua aplicação?

Não se virem portanto para os tribunais e para a justiça para que ela resolva o que não lhe compete. À justiça compete-lhe aplicar a lei. Por muito merdosa, mal feita e enviesada que ela seja.

A esmagadora maioria das pessoas tem uma concepção da justiça completamente errada. Pensam que ela é discricionária, e majestática. Não é assim por muito que nos doa. O sistema legal português não é assim.

Se amanhã houvesse uma AR louca que despenalizasse o proxenetismo nenhum proxeneta iria preso, ainda que seja moralmente reprovável explorar sexualmente uma pessoa para ganho pecuniário.

Deixem lá de bater na Justiça em casos como o de Relvas, quando a responsabilidade está no executivo que aceita este tipo de leis e regulamentos aplicados pelas Universidades sem qualquer supervisão.
Depois queixem-se de ter engenheiros e licenciados em Direito Internacional que não valem um chavo.