Indignados, rotos e caloteiros

O FMI fez num relatório a análise daquilo que acha que devem ser as opções para conseguir uma redução da despesa do Estado em linha com as suas receitas.

É um documento factual, frio e que não atende a questões que não sejam números. E os números são frios. São sempre.

Mal o documento foi tornado público e Carlos Moedas se referiu a ele como sendo um documento bem feito e bem sustentado, começou o "desmadre".

Os fulanos do costume saltaram imediatamente a terreiro dizendo que isto é a destruição do Estado Social. Daquele Estado Social que foi usando os recursos que não tínhamos para manter a malta contentinha e a votar alegremente em cada eleição.

Fala esta gente como se a triste realidade não fosse a insuficiência crónica da receita do Estado para fazer face às despesas. Fala esta gente como se estivéssemos numa situação em que podemos recorrer a crédito avalizados com um falso AAA.

Não há cão rafeiro neste país que não responda a esta triste realidade com a mesma estafada argumentação de sempre - os direitos etc etc.

Pois vamos lá então aos direitos.
É constante o matraquear na comunicação social acerca dos reformados que pagaram as suas pensões e que agora se arriscam a vê-las reduzidas. Mas ninguém fala dos que estão neste momento a descontar para as suas pensões e irão vê-las reduzidas da mesma forma ou ainda pior.
Assim, acha-se uma injustiça com todos os que hoje auferem de pensões mais ou menos volumosas e estamo-nos literalmente a cagar para aqueles que não só vão ter de trabalhar mais anos para conseguir uma pensão, como ainda por cima a vão ver reduzida a uma fracção insignificante daquilo que descontaram.

Se o momento no tempo em que tem de se fazer isto é sempre quando uma certo grupo não é pensionista, então simplesmente nunca se fará. Os pensionistas de hoje parecem viver perfeitamente com o facto de que os que vierem a seguir a eles já não vão receber uma pensão que se compare aom a que eles recebem hoje.

O problema das pensões é que os que recebem hoje não o fazem dos seus descontos. Fazem-no de quem está a trabalhar para lhes sustentar a pensão e isso, como sabemos, tem sofrido uma alteração significativa. Há cada vez mais reformados para a gente que está no activo.
Enquanto que os reformados de hoje podiam pedir reformas antecipadas e receber do Estado durante 30 anos, os de amanhã irão trabalhar até aos 65 anos mais e irão usufruir duma pensão durante metade de tempo que muitos reformados de hoje usufruem. E menor, porque há cada vez mais pensionistas e menos gente no activo. A tendência agrava-se e será pior dentro de 10 ou 20 anos.

A outra coisa mais ou menos consensual é a de que na função pública há péssimos hábitos. O absentismo militante é um deles. O director do Hospital de S. João apresentou há semanas números aterradores de absentismo no seu hospital. E segundo ele nem eram dos piores do país.
Há de facto gente na função pública (e não generalizemos) que se tornou profissional da baixa a ponto de estar sem trabalhar durante anos. E não há uma passagem à reforma por incapacidade? Continuam nos quadros retirando lugares a quem precisa sugando recursos de todos?

Querem apostar que se fossem a ver os casos por esse país fora teriam os 20 mil funcionários públicos de redução só nestes absentistas militantes?
O mesmo director do Hospital de S. João diziam que podia funcionar com menos 1000 pessoas. Não me surpreende. Com os números que ele deu de absentismo já hoje não pode contar com eles.

E o que dizer daqueles que acabam a baixa, voltam entram de férias e logo a seguir às férias ficam doentes? Acham que são poucos os casos? Pois não são. São aos milhares.

A função pública que tem excelentes profissionais tem uns quantos milhares que estão convencidos que pelo facto de não poderem ser despedidos podem fazer o que lhes dá na gana. Inclusivamente não trabalhar de todo. Casos como os de pessoas que ele referiu que estão de baixa ANOS a fio deviam ir a uma junta médica e simplesmente dados como incapazes para o trabalho.
Evitava-se assim que os que trabalham tivessem de suportar uma carga e trabalho muito maior para fazer as vezes daqueles que estando no quadro nada fazem.

Ou seja, duas das polémicas medidas que são contempladas para uma redução de despesa são afinal aquilo que o bom senso mandaria que se fizesse.

Arrastar este problema durante 30 anos foi, entre outros disparates, o que nos trouxe aqui. E a oposição como boa obreira das desgraças destes país não quer mudar nada. E só não o quer mudar porque sabe que o povo não quer e prefere tentar ganhar votos desta forma do que tentar tornar o país numa coisa viável. Que se lixe a viabilidade interessa mesmo é ganhar as eleições.

Deve haver alguma razão que explique porque é que quando um governo arruína um país tem legitimidade para governar e quando um governo tenta tirá-lo da ruína perde a legitimidade para o fazer.

Somos um país que gosta de facilidades. Mesmo quando não as podemos pagar. E por isso quando se nos pede para pagar a conta todos começam a assobiar para o lado a fingir que não é nada com eles.

É por isso que uma Alemanha ou uma Suécia são países a sério, nas mais altas posições em todos os rankings imaginários e nós somos o país de merda que somos.
Com a democracia descobrimos uma maneira fantástica de tudo ter sem nada pagar. Os políticos que sendo do povo se fazem eleger "comprando" o voto. O povo que descobriu como os direitos não têm como correspondência qualquer dever.

E em 30 e tal anos de democracia apuramos esta arte a um ponto tal que conseguimos ter de viver de esmola 3 vezes. E das 3 vezes chamamos tudo a quem nos emprestou o dinheiro.
Somos uns rotos e uns mal agradecidos. Temos a soberba de achar que devíamos ser nós a dizer o que queremos ter de direitos e "impor" à Europa que os pague de uma forma ou de outra.

Infelizmente só fazemos quando estamos condenados. E desta vez estamos de tal forma condenados que a única maneira de resolver isto é não só não gastar o que não temos, mas ainda poupar alguma coisa para pagar as dividas que contraímos.

A bela vida, o Estado Social e os direitos de que gozamos desde 1983 vamos pagar agora. POde berrar Seguro, Soares, Capucho ou outro qualquer, mas é isso que vai acontecer.
E devíamos mesmo começar por perceber se o que eles descontaram durante as suas carreiras contributivas justifica de alguma forma aquilo que o país lhes dá. Ou dizendo melhor, que nós que ainda trabalhamos e descontamos pesados impostos lhes damos.

Não adianta berrar cambada de caloteiros sem vergonha. Há que pagar. E isso infelizmente também eu tenho de fazer ainda que não tenha usufruído dos serviços do Estado que supostamente paguei. Nem da saúde, nem da Educação nem de pensões ou prestações sociais. Alguém o fez. Eu não fui.