Black noise

O país anda inquieto.
Não há um dia que passe sem mais um caso ou mais uma acusação.

À falta de notícias positivas, muito por causa da omissão das mesmas nos media, todos os dias nos servem uma nova versão da desgraça.

E o efeito que isso acaba por ter nas pessoas é o pretendido. As pessoas ficam inquietas. Muitas das vezes sem saber porquê, mas o constante martelar de casos e casinhos leva a que as pessoas andem nervosas.

A cada episódio as replicas sucedem-se. Um pequeno tremor de terra tem réplicas maiores que o fenómeno que o causou. E esta amplificação é medida e pensada para que tenha o efeito pretendido.

Os dois caos mais recentes são os de Marques Mendes e o discurso de Paulo Portas.

Imediatamente começaram as acusações de clivagem no seio da coligação. Marques Mendes defende que a clivagem se deve ao facto de Passos se estar a marimbar para as eleições, pondo a sua posição e a de outros do aparelho do partido em causa, e que Portas só olha para as eleições. Esta acabaria por ser a razão da destruição do Governo. A partir de dentro.

Só o simples facto de se manifestar tanta estranheza por posições diferentes na coligação é logo em si razão para estranhar.

Numa coligação coexistem vários partidos. As opiniões do PP e do PSD são bem conhecidas e nem sempre coincidentes. O que resulta do acordo entre os dois é aquilo que o Governo nos serve sob a forma de decisão política. Obviamente que o partido minoritário, ainda que sendo o suporte do governo, nem sempre pode levar avante as suas intenções pondo o partido maioritário sob chantagem constante. Por isso nem sempre estão de acordo e por isso nem sempre a opinião do partido minoritário prevalece. Aí sim seria uma boa base para o rompimento da coligação.

Nenhum dos partidos da coligação pode ter esperança de grandes resultados eleitorais com o cenário presente. As medidas gravosas que têm aplicado não deixam nenhum dos dois sair incólume. A não ser que haja uma sensação nítida de recuperação antes do fim do mandato, os dois irão sair a perder nas eleições.

Mas o simples facto de Portas dizer que preferia medidas alternativas ao corte nas pensões foi tomado como uma grave falta de alinhamento com as posições do Governo. E, pela enésima vez, a razão pela qual a coligação irá cair.

Quando apresentou as medidas ao país, Passos Coelho deixou bem claro que estaria aberto a sugestões alternativas que conduzissem a um resultado igual. Abriu essa possibilidade a todas as forças políticas.

Rapidamente os partidos de esquerda qualificaram o apelo de farsa. A menos que Passos Coelho faça o impossível (rasgar o pacto de "agressão") não há acordo. Nem sequer propostas alternativas.

Restou o PS. O partido que se tem arrogado de ter toda a espécie de soluções para a crise não tem propostas alternativas para apresentar. Vê esse gesto como o seu assentimento de que o caminho está certo, apenas com algumas variações de pormenor.
Parte de pressupostos completamente contraditórios aos do Governo. De acordo com o PS a solução estaria em renegociar as condições da ajuda. Pedindo devolução de mais valias com os juros da dívida ao BCE e baixando os juros a pagar.

Claro que não é preciso ser nenhum génio para perceber a futilidade destas pretensões. Portugal não conta. Nem para o melhor nem para o pior. Não tem peso negocial. Qualquer tentativa de conseguir este tipo de resultados numa negociação é tempo gasto inutilmente.

Resta-lhe portanto insistir que as medidas existem sem nunca ser chamado a pô-las em prática. Enquanto não se provar que as medidas basilares do plano não são uma quimera, todo o plano se pode manter como sendo a melhor coisa de sempre.

O PS não tem outro remédio que dizer não. As suas propostas não podem ser postas à prova nem o PS quer que elas o sejam. Assim mantém-se a presunção de que seriam as medidas salvadoras.

O facto de o CDS ter tornado público que está em desacordo com uma parte das medidas pode ser um gesto eleitoralista. Pode ser uma afirmação para o seu eleitorado de que está a tentar tudo para que as medidas não sejam levadas avante. Não passa pela cabeça de ninguém que Paulo Portas não tenha discutido primeiro essas opções no seio do conselho de ministros. O discurso de Portas pode muito bem ser um gesto para fora sem consequências para dentro do Governo.

Obviamente que o discurso teve logo repercussões nos media. Há já quem anuncie o fim do governo a meses de distância. Mas a verdade é que nem Passos nem Portas são estúpidos ao ponto de fazer hara kiri dias após terem acordado as medidas. Algumas delas ainda abertas a discussão como disse Passos Coelho.

Em suma, podemos estar perante uma mão cheia de nada. Já não era a primeira vez. Notícias de Paulo Macedo e Teixeira da Cruz a querer sair do Governo já andaram por aí. Notícias de Gaspar a dizer que sai também. Nenhum dessas coisas se materializou. Provavelmente agora acontece o mesmo.

Mas enquanto há assunto para uns dias de notícias todos andarão de volta disto. Até haver mais uma coisa qualquer que leve a que o "governo "caia outra vez.

O facto é que esta instabilidade "injectada" na cabeça das pessoas as põe inquietas. Desorientadas e sem saber como distinguir o que tem importância daquilo que não tem.

A informação passou de ser uma forma de que as pessoas façam os seus juízos para ser uma forma de condicionar a forma de pensar. Se todos os dias houver notícias alarmistas mantém-se uma sensação de instabilidade e descontentamento generalizado que serve perfeitamente à ala esquerda partidária.

O problema é que isto já cansa. E não deve cansar apenas quem ouve. Deve cansar o Governo que tem de certeza outras coisas bem mais importantes para resolver do que dar atenção a gente como Marques Mendes ou outros comentadores de serviço que de imparciais e isentos nada têm.

Vamos ver se pelo menos não entramos num estado de social unrest que muitos desejam que aconteça e para o qual contribuem todos os dias.