O poder local

Como se pode ajudar a família a livrar-se de hipotecas?
Fácil.
Alguém na família faz um crédito para comprar umas quantas casas "velhas". Dá as ditas como garantia hipotecária. No caso presente 2.7 milhões de Euros.

É estranho logo para começar como é que alguém faz um crédito nestas condições, a menos que tenha  algum negócio em vista. E convenhamos que comprar casas velhas em 2010 é dum grau de clarividência pouco comum. Sobretudo com a paragem do sector imobiliário na sua quase totalidade.

Aguenta-se o dito património durante uns tempos, até o "alguém" arranjar uma solução para o pagar com dinheiros públicos.
Quando essa oportunidade surge é preciso que a coisa tenha uma aparência de honestidade. Por isso, vende-se, em negócio simulado ou não, a um terceiro que acabará a beneficiar desses dinheiros públicos e por sua vez garantirá uma mais valia interessante ao sortudo proprietário.

Basta para isso que a autarquia tenha interesse em ficar com esse património para algo de urgente. Como uma por exemplo uma Pousada da Juventude. Melhor ainda, para a Capital Europeia da Juventude 2012...

Acontece que o evento veio e já se foi. O facto de se chamar Capital Europeia da Juventude 2012 devia fazer soar algumas campainhas, ou não?
Uma das coisas que resulta da expropriação urgente para uma Pousada para um evento que já acabou há meses, é o pagamento da hipoteca. 2.7 milhões servirão para pagar o valor assumido pela filha e genro do autarca.
Claro que o valor a ser determinado para a expropriação será superior, garantindo assim uma mais valia simpática aos sortudos proprietários. Não será difícil imaginar que em 2 anos de posse dos velhos edifícios terão uma mais valia simpática. O mais curioso de tudo é que o financiamento com dinheiros da UE não está garantido ainda. Mas num gesto de antecipação extraordinário a câmara quer já avançar com o processo de expropriação.



A coisa é tão descarada que é completamente absurdo que pensemos que tudo isto foi um acaso.
Porque é que alguém assume uma dívida de 2.7 milhões sem ser para fazer um negócio rápido com mais valias importantes?
Porque é que a localização planeada para um equipamento (Pousada da Juventude) é mudada de sítio ou o âmbito da intervenção alargado, indo recair precisamente na propriedade de familiares do autarca?
Porque é que essa propriedade muda de mãos dias antes da decisão ser anunciada?

Fico muito feliz por saber que alguém na autarquia levantou este tipo de objecções. Seja o Bloco ou seja quem for. Procederam correctamente, defendendo o interesse público e destapando mais uma negociata com dinheiros públicos (sejam da UE sejam de quem forem).

Negócios como este (e lembro-me do edifício dos CTT em Coimbra) acontecem todos os dias por esse país fora. O poder local está muito afastado do escrutínio público e estas coisas vão passando por debaixo dos nossos narizes sem que ninguém se aperceba. Muitas das vezes porque se beneficia toda a gente. A melhor forma de manter o silêncio é garantir que todos comem da gamela. Um pacto de silêncio porque todos tem as mãos sujas.

No poder autárquico estas coisas abundam. Lembram-se do caso da Câmara de Guimarães e da Capital Europeia da Cultura. Tornou-se mais visível por causa de todas as tropelias que rodearam o episódio. Desde órgãos directivos nomeados por nepotismo com benefícios e salários incríveis, até esquemas que deverão ter servido interesses muito particulares.
Mas no epicentro estava obviamente o presidente da autarquia. Que afirmou que os salários dos "gestores" estavam em linha com o normal nessas circunstâncias (lembro que eram mais de 14.000 euros por mês sem contar com todas as benesses associadas).

O artigo abaixo vem no Público de hoje e descreve com algum pormenor o desenvolvimento de mais uma jogada, pensada decerto para meter uns milhares valentes no bolso de alguém a expensas de todos.
Os prédios que a Câmara de Braga pretende expropriar para construir a nova Pousada de Juventude da cidade pertenceram à filha do presidente da autarquia, Mesquita Machado, até à semana passada.
Os imóveis foram vendidos a uma imobiliária da cidade e, quatro dias depois, foi iniciado o processo de aquisição dos terrenos situados junto ao Convento das Convertidas, no centro da cidade. Os documentos da 1.ª Conservatória do Registo Predial são claros, dando conta da transmissão da propriedade dos dois imóveis para a empresa Urbimodarte no dia 30 de Abril (terça-feira da semana passada).
Os prédios tinham sido comprados, em 2010, pela filha de Mesquita Machado e pelo marido, e está hipotecado, como garantia por um crédito concedido ao casal em 2011, com um montante máximo assegurado de 2,7 milhões de euros. Segundo os registos da Conservatória de Braga, os edifícios continuam hipotecados. Caso avance o pedido de expropriação dos mesmos, a hipoteca será o primeiro elemento a ser liquidado pelo dinheiro público envolvido no negócio.
Quatro dias após a venda dos prédios pela filha e o genro de Mesquita Machado, a autarquia deu início do processo de expropriação dos mesmos, num processo declarado “urgente” e em que é evocado o “interesse público” da sua localização. O documento será votado na reunião do executivo municipal desta quinta-feira.
Entretanto, o caso foi denunciado pelo Bloco de Esquerda (BE) de Braga, que divulgou os mesmos documento a que o PÚBLICO tinha tido acesso. O deputado municipal do BE, António Lima considera que, por estar em fim de mandato, “Mesquita Machado está a ter as últimas oportunidades para desenrascar amigos e familiares” e que só essa condição justifica a urgência dado ao processo quando ainda não há certezas da existência de financiamento para a Pousada de Juventude. Os bloquista vão comunicar o caso ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público.
A Pousada de Braga era uma das obras da Capital Europeia da Juventude, estando prevista a sua construção junto ao Convento de S. Francisco, na freguesia de Real, numa área mais periférica da cidade. A obra não teve ainda o apoio comunitário previsto para viabilizar a sua construção e, nos últimos meses, começou a ser veiculada a hipótese de um novo local para a sua instalação.
Durante um debate organizado pela associação Braga Mais sobre o futuro do Convento das Convertidas, na Avenida Central, o vereador do Urbanismo, Hugo Pires, deu conta da abertura da Câmara para estudar a utilização do imóvel para a instalação da Pousada.
Dias depois, Mesquita Machado falava num “grande projecto” para o local, envolvendo todo o quarteirão. O presidente da Câmara envolveu-se pessoalmente na ideia, tendo inclusivamente reunido com o Ministério da Administração Interna (a quem pertence o edifício) para garantir a sua cedência ao município.  Agora, o autarca não comenta para já este caso, devendo apenas pronunciar-se sobre ele amanhã, no final da reunião do executivo municipal bracarense.
A corrupção existe a todos os níveis neste país. Mas a nível autárquico a coisa é de uma dimensão enorme. Quantos casos como este, envolvendo negócios imobiliários obscuros, conhecemos? Muitos.
E se muitos dos locais falassem destas coisas saberíamos de muitos mais.

Graças a Deus que ainda há gente atenta a estas tentativas de encher os bolsos e os bolsos da família com o dinheiro que "eles" pensam que não é de ninguém. Mas que na verdade é de todos.

Não sei se uma coisa destas é um crime. Mas só a tentativa é bem demonstrativa de como as "coisas funcionam" a este nível.
O ninho de corrupção e nepotismo vai levar anos, senão décadas, a eliminar.

Enquanto as pessoas elegerem estes "reizinhos" mandatos e mandatos a fio, estas coisas acontecerão.

Terá sido por isso que a lei de limitação de mandatos foi criada? Quer-me parecer que sim.

Actualização: O presidente da Câmara de Braga  critica as "insinuações" do Bloco acerca deste caso.
Os ditos imóveis eram propriedade de uma sociedade chamada Castro & Castro Rodrigues II, SA.
Propriedade do genro, esta sociedade registou uma hipoteca voluntária em Junho de 2011 sobre os edifícios em causa.

Quando vejo uma sociedade que se chama "II" começo logo a pensar que há algo de mal cheiroso. Tanto mais que a "I" tinha como morada Avenida Dom João II 404-51, Lamaçães com o telefone 253221271 e a "II" aparece com a morada Av da Liberdade 424 N 424 Sl 8 4710-249 BRAGA e surpreendam-se, com o telefone 253 221270 e com um fax que era o antigo nº de telefone da sociedade nº 1.
Tudo perfeitamente "normal".

A verdade é que a empresa I está em processo de insolvência e até podem consultar a lista de credores aqui (http://www.base-geral.com/pt/empresas/empresas1.asp?contribuinte=505200120). O processo tem data de 03-08-2012, mas em 2013 já faz negócios com o nome igual e com o II a seguir ao nome. Deve ser para disfarçar...
Entre os credores estão "velhos conhecidos" :

Devedor: Castro & Castro Rodrigues, Sa.
NIF/NIPC: 505200120
Administrador Insolvência: Francisco José Areias Duarte
NIF/NIPC: 200017560
Credor: Alexandre Barbosa Borges, S. A.
NIF/NIPC: 500553408
Credor: B.P.N. - Banco Português de Negócios, S.A.
NIF/NIPC: 503159093
Credor: Banco BPI, S.A
NIF/NIPC: 501214534
Credor: Banco Comercial Português, S. A. - Sociedade Aberta
NIF/NIPC: 501525882
Credor: Banco Espirito Santo, S.A.
NIF/NIPC: 500852367
Credor: Banco Popular Portugal, S.A.
NIF/NIPC: 502607084
Credor: Banco Santander Totta S A
NIF/NIPC: 500844321
Credor: Caixa Económica Montepio Geral
NIF/NIPC: 500792615

No portal Citius (http://www.citius.mj.pt/) podem consultar a Publicidade da Insolvência pelo Nº Fiscal. Vai aparecer isto seguido de uma longa lista de credores:

Tribunal: Braga - Tribunal Judicial de Braga
Acto: Anúncio Recusa Homologação (PER) -Portal Citius
Referência: 11660816
Processo: 5547/12.3TBBRG, 3º Juízo Cível
Espécie:  Processo Especial de Revitalização (CIRE)
Data: 06-03-2013


Pois é. Por um incrível golpe de sorte, o património desta empresa acaba por ser apetecível para a autarquia. Mas é património da 2ª empresa, porque da 1ª o mais certo é que todos os credores fiquem a arder.

Mas a questão que é imediatamente óbvia é:
Os imóveis são propriedade da empresa I ou da empresa II?
É que o processo de insolvência tem data de 3 Ago 2012 e a hipoteca é feita em Junho 2011. Pela empresa I ou pela empresa II?
Como é que a empresa II terá vendido esses imóveis à Urbimodarte?
Qual é a data de constituição da sociedade II e como é que o património passa da I para a II? Antes de ser declarada a insolvência? Depois?
Não deixa de ser curioso como acabam a ser sempre os mesmos no olho da tempestade. E o esquema é o de sempre. Empresa falida e cheia de dívidas declara insolvência. Os mesmos sócios, os mesmos escritórios e os mesmos números de telefone são agora os da sede da empresa de mesmo nome mas na versão II, que como se sabe "não tem nada a ver" com a empresa falida.

Só não entendo é como uma empresa que faz obras desta dimensão (http://www.ccrsa.pt/construtora/apresentacao_empresa.php) consegue falir. Mas isso posso ser só eu que sou "mal intencionado".
Mas esta empresa, a CCR, tem como parceiro a Castro & Castro Rodrigues II... Quem é que quer fingir que não é tudo a mesma coisa? CCR? Castro Castro Rodrigues? Será?

Ora srs jornalistas, não deve ser muito difícil escavar um bocadinho para saber (e tenho absoluta certeza de que é isto que descobririam) que CCR, Castro e Castro Rodrigues II e Urbimodarte deve ser tudo farinha do mesmo saco. Descobri relações claras entre a CCR e a Urbimodarte. Não é difícil deduzir que essas relações existem com a sociedade que vendeu os imóveis. Afinal CCR é uma SGPS e a empresa vendedora dos terrenos não é mais que uma ramificação.


Porque raio é que com indícios deste tipo o MP nada faz? Mais grave, acaba com um processo que visava precisamente Mesquita Machado e família pelo faustoso nível de vida sem qualquer explicação plausível. (Correio da Manhã). O caso de Mesquita Machado e famíla é daqueles que caía direitinho debaixo de uma lei de enriquecimento ilícito. Aparentemente não o conseguem apanhar por corrupção, mas a verdade é que o volume de dinheiro que rodeia esta gente é completamente anormal.
Venha de lá essa lei de enriquecimento ilícito e vamos ver quantos destes caciques locais vão parar atrás da grades.