Os apoios e a quebra dos apoios

O cenário cultural em Portugal é algo que sempre me fascinou.

Ficamos parados no tempo. No período após 25 de Abril.

Da mesma forma que o regime de Stalin acarinhava os artistas que serviam os seus propósitos de propaganda, no Portugal revolucionário lançaram-se as raízes daquilo que poderia ser um modelo decalcado do modelo cultural Soviético. Havia os artistas conotados com a revolução e os conotados com o anterior regime.

Desde cedo os artistas "revolucionários" começaram a receber apoios do Estado. A existência do ministério da cultura quase se resumia e resume à gestão de subsídios. Subsidiava-se o cinema e o teatro.
Muito poucas eram as companhias de teatro e realizadores 8se houvesse algum) que não vivessem de subsídios. E isto tornou-se um modo de vida.

A coisa chegou a tal ponto que a produção teatral e cinematográfica não consegue subsistir sem a sua subvenção garantida.
Alguns como La Feria orgulham-se de conseguir sobreviver sem nunca recorrer aos dinheiros do Estado. Viviam simplesmente da bilheteira e de patrocínios de entidades privadas.
Mas a esmagadora maioria vive quase exclusivamente da subvenção estatal. Porque, pela maior diversidade de razões, não são auto sustentáveis.

Na maior parte das vezes porque aquilo que apresentam não agrada ao público. Com salas vazias, encenações no mínimo polémicas ou de má qualidade, foram vivendo durante estes anos pós revolução sem nunca terem de fazer a concessão de agradar ao público. Aquilo que noutras partes do mundo é considerado fundamental para ser bem sucedido. Por todos os parâmetros que avaliam estas coisas, o teatro em Portugal não seria mais que uma estrondosa série de fracassos.

Quanto ao cinema as coisas não são melhores. Não há memória de muitos filmes portugueses que tenham chegado ao break even com as receitas de bilheteira. Tal como no teatro muitos dos filmes são projectos muito pessoais em que os autores estão mais preocupados com a sua visão das coisas do que em agradar, nem que seja levemente, ao público.
É memorável o caso de César Monteiro e o seu Branca de Neve em que perante a polémica levantada elo filme (se lhe podemos chamar assim) disse que queria que "o público português se foda".

Pois o público português foi indirectamente quem sustentou a sua vida através das subvenções estatais. A ele e a um sem fim de realizadores menores cuja obra nunca passou duma lucubração pessoal feita para eles e mais 3 amigos.

Com todos os ministros da cultura e todos os secretários de estado a coisa sempre se resumiu a quanto havia para "dar". Com José Viegas ainda me lembro de alguém dum grupo de teatro estar a dizer que assim não podia honrar os seus compromissos. Ou seja, sem dinheiro do Estado não podia pagar aquilo que tinha contratado (sala, luzes actores etc etc). A mais leve insinuação de que deveria ser a bilheteira a pagar essas coisas é vista por estes artistas como um anátema.
Para eles a cultura é uma coisa "subsidiada" pelo regime.

E temos toda uma geração de "artistas" que nunca viram ou conheceram outra coisa que não seja viver a expensas dos dinheiros públicos. E indignam-se porque acham que aquilo que têm para dar ao país não tem preço e como tal nem deve ser discutido.
Claro que num meio assim a mediocridade grassa. É irrelevante que uma peça ou um filme sejam bons e atraiam público. É irrelevante que um actor seja minimamente competente no que está a fazer. O público é algo que é absolutamente marginal nesta equação. O que o público paga de bilhete nunca será motivo para que se adeque a oferta.

Talvez por isso se assiste a este discurso profundamente desligado da realidade em que os autores de "cultura" acham que têm um valor intrínseco, objectivo, e desligado do seu alvo - o público.

É como se houvesse um conjunto de direitos adquiridos nos quais ninguém pode tocar. Nem mesmo quando falta dinheiro para tudo. Segundo eles o Estado deveria garantir a sua subsistência em qualquer ocasião.

Há no entanto alguns que nunca precisaram de viver da mama estatal. Lembramo-nos bem de salas cheias em várias cidades do país com as Conversas da Treta.

A cultura em Portugal, especialmente na produção teatral e cinematográfica é para todos os efeitos medíocre.
A sobrevivência deste sector teria de passar por algo que para eles é inconcebível que é o de captar público. Mas passados tantos anos com produções medíocres como é que se pode esperar que o público pague o bilhete para ver um filme português da mesma forma que vê um filme inglês ou americano? Com a história lamentável de filmes portugueses de má qualidade com que fomos presenteados? Pouco provável..

Ontem Ruy de Carvalho partiu a louça. Está profundamente desiludido com este "governo" porque o fisco "anda atrás dele" para refazer o IRS de 3 anos.
Nada que o comum cidadão não sinta na pele, mas que provavelmente ele nunca terá sentido. Mas o mais aborrecido disto é que alguém que deu o apoio em campanha ao PSD nas últimas eleições, parecia esperar um tratamento de favor ou pelo menos uma mão mais leve: "para que servem as comendas e condecorações..:".
Ruy de Carvalho até pode ter razão. O fisco é cego e persecutório. Mas o que não pode esperar é ter um tratamento de favor por ter apoiado a força política A ou B. Se ele tiver razão à luz da lei, prevalecerá. Com o fisco é um ror de chatices mas não é nada que outros cidadãos não tenham já experimentado. Mesmo os que não têm comendas nem condecorações e que toda a vida foram pagando impostos para sustentar a cultura neste país.
O que me parece triste é que alguém apoie uma força política por esperar algo em troca. E que por razões materiais (que são obviamente importantes) passe a ser um dos críticos mais ferozes do mesmo poder ou do mesmo Estado que o ajudou a viver durante umas dezenas de anos.
Gosto do Ruy de Carvalho como  actor e como pessoa. Mas o que ele disse no seu desabafo deixou-me com uma sensação de verdadeiro desconforto.
Quase parece querer dizer "então apoiei este 1º ministro para quê? Para ser tratado assim?".