Porque é que eles estão "lá"

Nestes últimos dias de agitação do "mundo" docente tudo se disse acerca das razões para fazer uma greve.

A razão "oficial" é a defesa do ensino público. E aqui nada de novo. Não há uma greve que se faça neste país que não seja por razões altruístas.

Os médicos e enfermeiros fazem-nas em defesa da saúde pública, os professores fazem-na para defender o ensino público (e por tabela os alunos), os transportes fazem-nas para defender o sector público de transportes etc etc.

Num país como este, completamente pejado de individualismo e defesa de interesses muitos próprios, é sempre bom perceber que toda esta gente faz greve e perde uns dias de salário pelos outros.

O problema é que nem eu nem muitos portugueses acreditamos minimamente nestas razões.

E , como diria Marcelo, há 2 razões.

As razões da CGTP e de Nogueira
Derrubar o Governo. A única coisa que preocupa este longinquo professor é o seu alinhamento com a "central". Com a voz do dono. E apesar de se arrogar de defender todos menos ele, a única coisa que preocupa esta central sindical é, neste momento o derrube do Governo. Democraticamente eleito e com um mandato de 4 anos. Que não terá feito pior que os anteriores no que diz respeito à destruição do ensino e no caminho seguro para a sua insustentabilidade.
Se bem se lembram quando foi a polémica das avaliações também a agenda era a defesa do ensino público. Apenas porque a avaliação era tão complexa que tirava tempo para ensinar...
Mas desta vez Nogueira diz claramente que quer uma mudança do Governo. Não é uma mudança das opções do Ministro da Educação ou das Finanças.  É mesmo do Governo.
Em que é que isto é defender a escola pública é que eu não consigo entender, mas ele que anda na "luta" há dezenas de anos lá saberá.

As razões dos professores
A possibilidade de serem colocados na mobilidade e sairem da função pública aterroriza-os. Compreendo-os e creio que nenhum de nós gostaria de estar na mesma situação. Ao contrário dos trabalhadores do sector privado, nunca tiveram de se preocupar muito com essa possibilidade. Preocupavam-se sim com o momento em que pudessem ficar efectivos e não ter de passar a vida a saltitar de escola em escola. Mais uma vez percebo-os perfeitamente e gostaria que os meus dias nunca fossem interrompidos com pensamentos sobre a viabilidade do meu emprego.
A outra razão é a do horário de trabalho. 40 horas numa semana. Pouco se sabe qual o impacto que isto possa ter na componente lectiva e sei perfeitamente que há tempo gasto fora das aulas na sua preparação, preparação de avaliação e actividades complementares. Mas o facto é que os professores já deverão trabalhar as ditas 40 horas semanais com toda a certeza, pelo que este ponto nem é uma das questões maiores que os traz à greve. Provavelmente estarão por solidariedade com outros que fazem estritamente as 35 horas e não querem trabalhar mais uma hora por dia da semana.

A única razão que não existe em tudo isto
É a defesa dos alunos e a defesa do sistema público de educação. Se porventura não pairasse sobre eles o espectro da mobilidade, a maioria destes professores não sairia à rua em defesa de nada. Os alunos podem ser a preocupação de muitos, mas não a ponto de fazerem uma coisa que prejudica os alunos em grande medida. E quanto ao ensino público desde que o seu salário fosse garantido até à reforma estar-se-iam nas tintas para a sustentabilidade do sistema e para todos os outros que o pagam.

Sei bem que os professores também pagam impostos e trabalham como qualquer outra pessoa. Nem sou daqueles que acha que o tempo de férias no ensino até é um bónus simpático que muitos usam para isso mesmo - férias. Outros haverá que não o fazem ou porque têm tarefas na escola que lhes ocupam o tempo não lectivo ou porque trabalham em casa preparando o período seguinte.
Mas, surpresa das surpresas, eu conheço centenas de pessoas no sector privado que fazem os mesmo. Chegam a casa e trabalham. E durante o dia excedem largamente as 8 horas de trabalho e sem qualquer compensação extra.
Sei também que muitas vezes têm de fazer na escola aquilo que os pais se isentam de fazer em casa - educar. E sei que isto desgasta terrivelmente e é pontuado de vez em quando com um aluno brilhante, interessado e inteligente.
Não consigo é perceber como é que num país em que a demografia está claramente a apontar para um decréscimo de alunos, se pode conviver com o mesmo número de professores para sempre. Ou pior ainda, viver já hoje com uma quantidade enorme de professores com horário zero.

Se o horário zero não é sustentável atribuam a estes professores algumas turmas. Não estou a dizer que lhes deêm a carga horária máxima mas ao menos alguma coisa. Na verdade alguns deles estão nesta situação porque a lei lhes conferia redução de horário ao longo da carreira. Mas estar numa escola anos sem leccionar não deixa de ser absolutamente ridículo. A não ser que haja uma razão médica para não o poderem fazer e aí o caso muda de figura.
A alternativa para estes professores não pode ser entre não leccionar e a saída.
Tem de haver alguma coisa pelo meio. Nem que seja a mudança para uma escola onde a sua disciplina seja leccionada, se por acaso o horário zero acontecer por não haver alunos (o que acho que nem é o caso).

Na verdade o que vemos de cada vez que há um problema a resolver é a tentativa de manutenção do status quo.
Uns por umas razões e outros por outras. Mas a verdade é que todos estão confortáveis como estão porque a alternativa pode ser pior. E resistem.
Resistiram com a avaliação porque na verdade era um sistema ridículo e contraproducente. Mas ainda estamos para saber qual foi a alternativa proposta. Não será que passada a "batalha" da avaliação e com a queda das ministras de má memória tudo foi atirado para trás das costas?

Acho bem que lutem. Acho bem que ponham o pé na porta quando alguém faz algo de erradoO que me aborrece é que não tenham a decência de dizer porquê. Ou de dizer coisas como por exemplo "sou professor há 30 anos...". E então? É exactamente o que se passa no sector privado. Não há qualquer segurança no emprego. E aparentemente toda essa gente tem de viver com isso.

Gostaria muito de ver os professores reclamar contra o facilitismo na avaliação. Contra a dificuldade de reprovar um aluno. Contra a indisciplina nas escolas. Mas em vez disso passavam-nos para não ter de os aturar e para não se perderem em justificações e hoje temos toda uma geração que chega à universidade e é virtualmente analfabeta. Aprenderam a viver com o sistema e deixaram passar toda a porcaria porque isso lhes trazia menos problemas e melhorava a estatística. E é isso que os Governos adoram - a estatística.
Não quero de maneira nenhuma que os professores fiquem com o pior. Até vivo bem com o facto de terem melhor que eu, mas por favor digam que é porque não querem perder a segurança de um emprego para a vida e não se ponham com estas merdas da defesa do ensino público para se justificarem. Muito dificilmente o objectivo primeiro desta luta pode ser a defesa do ensino público. Digam alto e bom som que é porque não querem ver-se desempregados por um qualquer critério arbitrário. E aí eu aplaudo de pé e só tenho pena que no sector privado, profundamente individualista e egocêntrico, se olhe para o colega despedido como o cordeiro sacrificial... Ainda bem que não fui eu.
Todos sabem porque é a greve e quais as razões de todos os lados. Os alunos e o ensino público são aqui perfeitamente marginais.

Desejo-lhes a melhor sorte, mas num país em que mais de metade da riqueza do país é "comida" pelo estado que impõe impostos elevadíssimos à população em geral, custa-me um bocado a perceber porque é que temos de garantir certos empregos em vez de pagarmos a quem faz um "trabalho".