A traição


Confesso que de todos os cenários possíveis o último que eu esperava é que o paladino da responsabilidade e da honorabilidade fosse mais uma vez deitar tudo a perder.
E quando digo "tudo a perder"não falo de posição partidária. Falo da situação do país.

O nosso país está em situação de emergência. Sem tirar nem por. Foi como se uma guerra tivesse devastado economicamente o país e coubesse ao governo que entra a dura tarefa de nos ajudar a sobreviver até ao dia em que as coisas melhorem.

Não é uma tarefa fácil, as coisas não vão ficar direitas em 2 meses e sobretudo é preciso um enorme espírito de sacrifício e abnegação.

Dos discursos dos políticos envolvidos era óbvio que Passos Coelho tinha esse sentimento. Era também isso que Paulo Portas deixava transparecer no seu discurso.
Fiquei contente quando os dois partidos juntos conseguiram aquilo que seria fundamental para levar a cabo a tarefa - uma maioria parlamentar.

Seria impensável ter o partido vencedor a fazer acordos com o PS. O PS responsável pela devastação económica nos últimos 6 anos. O partido de todas as jogadas sujas e incompetentes.

Sempre pensei que as concessões do CDS em política fiscal eram determinadas pela convicção de que era preciso fazer as omoletes com os ovos que se tinham. Numa altura em que é preciso tomar decisões duríssimas não podemos actuar como se tudo fosse normal. Não o era.
O CDS tinha de abrir mão de algumas das suas linhas programáticas a bem da recuperação do país. O mesmo fazia o PSD. Tal como o CDS sabia que apesar de ser contra o aumento de receita do Estado por via fiscal, não havia outra forma de rapidamente balancear o orçamento.

Qualquer dos dois partidos teria de se despir de algumas das suas convicções para salvar todo um povo atirado para a indigência súbita por causa de um furacão económico provocado por incompetentes e ladrões.

Não achei bem que durante estes dois anos Portas aparecesse em alturas chave a tentar distanciar-se das medidas do Governo. Ou se é homem e se assume na plenitude a razão das escolhas ou então não se é mais que um jogador que tenta ganhar em todas as frentes. E isso é a característica que os políticos apresentam que mais enoja os eleitores.
Num jogo tão complexo e com tantas hipóteses de derrota é crucial a coesão.

Estes episódios de Portas alimentaram especulações por toda a imprensa desejosa de encontrar clivagens no executivo. Deliciavam-se a cada novo disparate de Portas.

O que está em causa não é uma mera questão partidária ou de ambição pessoal. O que está em causa é um país de 10 milhões de habitantes que por uma vez na vida deseja ter políticos à altura das circunstãncias.

E se até aqui Portas foi conseguindo fazer o papel, subitamente descobre que tem um cinto de explosivos do qual saem uns fios para um botão na mão. E carrega no botão para ver o que dá?
E faço este paralelo porque a primeira vítima deste gesto é ele e o CDS. É verdadeiramente um gesto suicida. Do ponto de vista político Portas a partir de agora alguém em quem não se pode confiar. Um intocável.

O que torna isto espantoso é que depois de ceder (e bem) em questões de princípio ideológico, Portas atire a toalha por aquilo que parecem ser questões comezinhas e até de uma certa baixeza.
Se é pela discordância com o substituto de Gaspar ou se é por achar que foi desrespeitado, é absolutamente incrível que Portas lance o país numa espiral de instabilidade que tem proporções enormes.
Hoje a bolsa afunda-se e os juros da dívida a 10 anos sobem a níveis não vistos desde 2012.

As consequências do gesto nem se conseguem determinar. Portas num ápice deitou a perder os penosos ganhos de credibilidade deste Governo.

É uma traição ao país. É uma traição a quem votou nele como contrabalanço no poder. É uma traição a milhões de portugueses que anseiam por estabilidade e sentido de Estado dos nossos governantes.

Eu votei CDS pela primeira vez na minha já razoavelmente longa vida. Porque não tinha grande confiança em Passos e porque não queria um partido sozinho no exercício do poder.
Achava que a estatura e a seriedade do CDS seria bom contraponto aos desvarios de um PSD inquinado de barões, baronetes e espertalhocos.

Rapidamente percebi que Passos assumia a tarefa como um imperativo. Que encarava o seu mandato como algo que tinha de ser exercido para salvar o país. As eleições seguintes não eram o objectivo.
Portas desiludiu-me. Em grande escala.
Portas perdeu toda a credibilidade para mim. E não sou só eu a pensar assim.
O que me leva a pensar que a sua proverbial inteligência se terá convertido em burrice total ao não antecipar as consequências do seu gesto. Quer do ponto de vista do país quer do ponto de vista do partido.
Estou curioso de ver o resultado duma próxima sondagem relativamente ao CDS e ao seu líder. Ninguém lhe perdoará. E de facto com um líder que se comporta assim, o CDS, apesar de um conteúdo programático francamente apelativo, afundar-se-à a níveis de 3 ou 4%.
E desta vez merece-o.
Um bom substituto para Portas?
Nuno Melo.
Tem carisma, tem juventude, tem inteligência. Esperemos que tenha o carácter suficiente para não atirar o país ao buraco por questões que nesta conjuntura podem ser consideradas "merdices".
E dá 10 a zero a qualquer putativo candidato a líder do CDS