A receita fiscal

Muito se tem falado do IVA dos restaurantes.
O PS, inclusivamente, faz disso a uma das suas bandeiras eleitorais, quase como se o mundo andasse à volta de um sector da economia que não será de todo o que mais contribuiu para a crise e o desemprego.
Talvez se devesse procurar na construção civil a responsabilidade pelo colapso generalizado da economia. A dívida que gerou quer para as famílias quer para o Estado, o desemprego em todas as actividades a ela associadas e o que causou do ponto de vista de ordenamento do território a par com a corrupção desenfreada da qual sempre foi o epicentro.

Mas o IVA dos restaurantes tornou-se de súbito o símbolo da "insensibilidade" do Governo.

O que é curioso é que apesar de todos os estabelecimentos que fecharam, a receita de IVA deste sector aumentou de forma que não é proporcional ao aumento para a taxa de 23%.

Qualquer pessoa minimamente atenta deduziria imediatamente que este sector tem sido responsável por uma fuga fiscal de enormes proporções.
A imprensa nem sequer fala disto. Perante os números do IVA do sector parece acreditar que o aumento só se deve à subida das taxas. E isso não é verdade.

Pela primeira vez o sector percebeu que está a ser controlado mais de perto. A declaração de prejuízos ou a facturação paralela passaram a ser um risco demasiado grande para ser corrido. E obviamente a receita fiscal aumentou.

Durante anos o sector da restauração declarou lucros abaixo do real ou mesmo prejuízos forjados, dando lugar a um boom de estabelecimentos que viam na actividade uma das formas mais simples de se "isentar" de impostos sem grandes riscos.

Quem queria ser um verdadeiro membro do jet set abria um restaurante. Casas de "alto gabarito" com preços a condizer e com chefes de duvidoso curriculo apareciam um pouco por todo o lado.
Portugal tornou-se num país gourmet onde pagar 70 ou 80 Euros por pessoa numa refeição era uma coisa banal.

Os lucros gerados por estabelecimentos destes eram muito significativos e muitos deles declaravam prejuízos. Há uns meses atrás foram reveladas na imprensa fraudes fiscais de centenas de milhares de euros levadas a cabo por estabelecimentos deste tipo.

A verdade é que devia haver muito poucos restaurantes neste país que não fugissem ao fisco de uma forma ou doutra.

E, claro está, a carga fiscal acabaria sempre por incidir noutro lado. Nas pessoas que trabalham por conta de outrém que não têm forma nenhuma de se escapar à colecta.

Estas pessoas têm sustentado tudo o que é fuga ao fisco ou expediente mais ou menos sujo para escapar ao fisco do resto das actividades económicas neste país.

Não deixa de ser curioso como se pode fazer do abaixamento do IVA para a taxa intermédia uma causa nacional, quando o sector esteve durante anos a escapar às suas obrigações fiscais sem qualquer pudor ou remorso.

Façam as contas da receita do IVA da restauração e imaginem o que não estaria a fugir dos cofres do Estado, sabendo a quantidade de restaurantes que fechou e a retração dos consumidores que teve lugar entretanto.
Os números assustam realmente. E dão bem a noção do que tem sido o papel laxista do Estado em combater os focos de fraude fiscal.
Num caso como estes mais do que um foco era uma prática generalizada.